sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Relato de parto - Real e intenso!

Naquele dia frio, acordei e olhei o telefone. Eram 7h45 e eu precisava ir ao banheiro. Levantei e fui fazer xixi, mas percebi que minha calcinha já estava molhada. Não acreditei! Sentei e fiz um pouquinho de força e saiu mais um pouco de líquido. Eu tinha certeza de duas coisas: não era xixi e já tinha chegado a grande hora!
Bom, mas voltando um dia, não posso esquecer que já estava com 40 semanas e 5 dias e nenhum sinal de que a Duda nasceria logo. Eu estava muito tranquila em relação ao tempo dela, mas confesso que já estava bem difícil conviver com aquele barrigão e a ansiedade de ter minha filha nos meus braços. Foi então que conversando com minha querida doula, a Mari Amoroso, sugeriu uma terapia na água chamada Watsu, em que você é guiado dentro da água quente. Preciso dizer que foi uma das melhores experiências que já passei. Fiz a terapia com o Gui e juntos nos conectamos muito com nós mesmos, como casal e com nossa filha. Eu imaginava que podia tocar nela e mentalizava: 'Vem, filha! Estou pronta pra te receber. Estou pronta pra você!' Quando terminou o Watsu, a minha doula e o marido dela sairam da piscina e deixaram com que eu e o Gui ficássemos sozinhos e assimilando aquele momento. Olhamos um nos olhos do outro e ele me perguntou 'Você está feliz? Está pronta pra receber nossa filha?' e eu disse 'Sim. Muito!'.
Assim que saímos da piscina ele perguntou pra Mari: 'Na música de fundo tinha o som de um bebê chorando?', ela disse que não e ele disse que tinha ouvido claramente o choro de um bebê.
Bom, fomos pra casa e dormimos.
Quando percebi minha bolsa rompida no dia seguinte, entrei no quarto que ainda estava escuro, cutuquei de leve o Gui e falei 'Não surta. Minha bolsa rompeu!'
Ele levantou, com os olhos cheios de lágrimas e falou 'Jura?! Liga pra Mari'.
Voltei pro banheiro e quando abaixei pra ver minha calcinha novamente, surpresa: mecônio! Pensei: ok, e agora?...
Conversei com a Mari e ela falou com a Ana Paula, minha obstetra, que pediu pra eu ir ao hospital e ficarmos por lá como uma medida de precaução pra podermos monitorar a bebê.
Nesse momento já caiu a primeira expectativa sobre o parto. O plano era passar todo o trabalho de parto em casa acompanhada pela minha doula e pelo Gui até o momento em que estivesse perto da Duda nascer. Nem passava pela minha cabeça ficar horas e horas no hospital esperando as contrações começarem, comendo aquela comida uó, num ambiente nem um pouco aconchegante, por mais humanizado que o hospital fosse.
Fui ao hospital e cheguei com 2cm pra 3cm de dilatação, mas se não fosse minha bolsa rompida eu nem diria que estava próximo da Duda nascer. Eu não sentia nada de contrações, dores, desconforto, nada! Pensei 'Caramba, será que vou ser dessas mulheres que não sentem quase nada de dor? (doce ilusão).
Fomos encaminhados à sala de pré-parto e ficamos o Gui e eu deitados lendo, vendo tv, cochilando e conversando esperando as contrações começarem. 3h depois e nada... 5h e nada... 7h e nada... Minha obstetra foi ao hospital me ver e disse 'Pode ser que seu trabalho de parto só comece amanhã cedo do jeito que as coisas vão. Talvez seja interessante você fazer uma sessão de acupuntura pra acelerar se for seu desejo.' Pensei na ideia e fomos encaminhamos pro nosso quarto pra podermos ficar mais a vontade, já que não havia sinais das contrações.
Enquanto isso estávamos monitorando os sinais vitais da bebê e estava tudo lindo, mesmo com mecônio.
Por volta das 19h, ou seja, 12h depois da minha bolsa romper, comecei a sentir as primeiras contrações. Estavam durando não sei quanto tempo exatamente porque as memórias se perdem com o tempo (já faz três meses que a Duda nasceu), mas estavam doloridas, porém suportáveis. Fiquei feliz de não ter precisado de acupuntura e finalmente estava engatando e eu sabia que a partir dali, apesar de ter todo o apoio do Gui e da equipe, era um momento meu comigo mesma.
Voltei pra sala de pré-parto, pedi uma bola de pilates, liguei a tv e ali eu fiquei com o Gui entre uma contração e outra. Eu quis ficar sozinha com ele antes de pedir pra doula e a obstetra irem até lá.
Ficamos nós dois, passando por cada onda, que ainda estavam suportáveis. Deixamos a luz baixa e quando uma onda vinha, ele massageava minhas costas e quadril e falava 'É menos uma. Tem noção que daqui a pouco a gente vai conhecer nossa filha?'. Apesar de não estar no ambiente que eu gostaria, eu estava feliz.
Aos poucos, as contrações foram ficando mais fortes e menos espaçadas. Comecei a andar no corredor para aliviar a pressão no corpo e relaxar. Ia e vinha, ia e vinha, e pensava 'Caramba, como eu queria estar em casa!'. Abri minha bolsinha com o contrabando de doces e guloseimas que tinha levado escondido pro hospital e comecei a comer o que tinha por ali.
Com as dores aumentando e o cansaço vindo, mandei uma mensagem pra Mari 'Estou cansada e com muita dor, vem pra cá, por favor.' Nem 5 segundos depois, ela estava entrando no quarto antes mesmo de ler minha mensagem e eu estava no meio de uma contração. Eu percebi ela entrando no quarto silenciosa, respeitando aquele momento e sem falar uma palavra ela me ajudou a respirar melhor. Ela tinha ido por conta própria. Já eram umas 23h.
Ela colocou uma bolsa quente na minha lombar, fez algumas massagens, me ajudou a fazer uns exercícios na bola pra aliviar a dor e me orientou a cochilar entre uma contração e outra, mas se eu consegui descansar umas 5 vezes foi muito.
A Ana Paula chegou e fui pro chuveiro. Fiquei sentada na banqueta enquanto a Mari jogava água quente nas minhas costas e barriga. Era um alívio! Me ajudou muito a sentir menos dor.
A segunda expectativa também caiu por terra: eu não podia usar a sala delivery de parto natural do hospital por conta do mecônio. Ou seja, minha ideia de usar a banheira pra aliviar a dor, ficar naquele quarto com estrelinhas no teto e tudo mais também já não ia mais dar certo. Então o jeito era me contentar com a ducha quente nas costas, a bola de pilates, meus doces, as massagens da Mari e o encorajamento do Gui e da Ana Paula.
A noite foi seguindo e fiquei horas e horas embaixo do chuveiro com a água quente caindo em mim. Tentei sair algumas vezes, mas quando mudava de lugar ou posição eu sentia mais dor ainda. Comecei a sangrar, ótimo sinal! Sinal que meu útero estava trabalhando pra dilatar.
Todos estávamos exaustos! Todos! Afinal, eu estava acordada desde cedinho do dia anterior quando minha bolsa rompeu. O Gui também.
Até então, cada onda era uma entrega. Eu não lutava contra a dor, apenas me entregava à ela, ia junto. Estava feliz por não ter controle do que estava acontecendo. Era a natureza agindo ali!
A cada contração eu pensava em mim, na minha vida, no rosto da minha filha. Pensava em tudo o que eu tinha passado na vida, nas minhas dificuldades e mais uma vez me entregava pra dor.
Era daquilo que eu precisava. Estar entregue à algo e a alguém e mergulhar de cabeça naquele mar de amor, mar de dor.
Ficar na banqueta sentada já não estava ajudando e eu já tinha perdido a noção do tempo e do espaço. Nesse momento eu já estava gritando tão alto e tão intensamente que todo mundo naquele andar e nos andares próximos conseguiam me ouvir. Eu não estava nem um pouco preocupada com isso. Meu grito era de uma mulher parindo a filha, a ela e a muitas outras coisas da vida. Aqueles gritos estavam entalados há anos!
O Gui vinha, ajudava a Mari a jogar água quente em mim, me abraçava, me dava a mão pra eu apertar e ele sabia que aquilo não estava fácil pra mim. Estava punk! Muito punk! Sem romantizar o parto porque essa não é minha intenção aqui e mais pra frente no relato isso vai ficar bem claro.
A Ana Paula me falava: 'Calma, Lu! Você está ficando muito tensa, calma. Respira.' Mas a dor estava me consumindo por inteira e pior do que a dor, era o cansaço. A Mari me ajudava a respirar, respirava comigo, quase que cantando a minha respiração pra que eu tomasse consciência dela.
Já não conseguia comer, beber água, nada!
Eu estava ali naquele momento da madrugada encarando minhas contrações e pensando 'Estou no meu limite!'.
A Ana Paula perguntou se eu queria fazer mais um exame de toque pra eu saber quanto eu tinha de dilatação e eu quis. 6cm! Puxa vida, ainda faltava a pior fase e eu já estava cansada ali.
Pensei 'Vou seguir em frente!' e tentei ficar sentada na bola fora do chuveiro. Não deu. Voltei pro chuveiro e fiquei por lá. Mais algumas horas se passaram e comecei a sentir uma vontade incontrolável de fazer força. Não tinha como eu mudar aquilo. Eram os puxos, a bebê estava bem perto de nascer.
Aquelas foram as ondas mais fortes.
Eu sentia meu quadril se abrindo e ela descendo durante a contração e subindo um pouquinho quando ela parava. Falei pra Mari 'Vou pedir anestesia. Estou no meu limite, estou cansada e preciso disso.' Ela me olhou de um jeito como 'Mas você veio até aqui.' Eu entendi aquele olhar, mas eu já estava sentindo tanta tensão no corpo, que eu sentia que quando vinham os puxos, ao invés de eu empurrar pra baixo, eu estava puxando a bebê de volta, tamanha dor.
Eu disse pra Ana Paula 'Chama o André, vou querer a anestesia o mais rápido possível.' O André, anestesista, estava na casa dele e até ele chegar lá demoraria um tempo.
Vi o dia clarear pela janela do banheiro e pensei 'Meu Deus, estou aqui há um tempão, esgotada.'
A Ana Paula não chamou o André logo de cara. Ela tentou me animar, me fazer sentir que eu conseguiria fazer aquilo da forma que eu tinha planejado: natural. Mas eu sabia que até onde eu tinha ido era onde eu precisava ir por mim. E ela também acabou percebendo isso porque eu, claramente já não estava mais me entregando à dor como antes. Eu estava lutando contra ela por mais que eu tentasse ir junto. Então ela chamou o André.
Eu simplesmente não conseguia levantar pra ir até o local onde ela nasceria. Mas juntei minhas últimas forças físicas pra conseguir levantar, me apoiar no Gui e na Mari e sentar na cadeira de rodas.
A enfermeira veio me buscar e no meio do corredor indo pro centro cirúrgico veio uma onda. Gritei profundamente como uma leoa e todos no hospital me olharam e eu estava pouco me lixando. Gritava mais ainda! Eu senti que ia parir ali na cadeira de rodas mesmo de tão intenso aquele puxo.
A Ana Paula me abraçou, eu olhei pra ela e pensei 'Eu sei que está muito perto dela nascer, coisa de minutos, mas eu preciso disso. Estou feliz de ter chegado até aqui'. E acho que ela entendeu meu olhar. Me apoiei naquele abraço e tomei a anestesia. Não passou a dor. Eu sentia como se a anestesia fosse água. Aumentaram a dose. Ufa! Um alívio! Um alííívio!!
Eu sentia as contrações, mas não sentia mais dor. A Ana Paula me pediu pra ficar deitada até a Vânia chegar, a pediatra que acompanharia o parto, porque se eu levantasse a bebê nasceria antes dela chegar.
O Gui veio do meu lado, pegou minha mão e disse 'Estou muito orgulhoso de você! Te amo.' E eu entendi que eu tinha feito a escolha certa pra mim naquele momento.
Então, a terceira expectativa caiu por terra: me dei conta que eu não teria meu parto natural. Eu tinha optado pela anestesia mesmo que tão perto da minha pequena nascer. Mas eu não estava nem aí pra isso no momento. Eu só queria mesmo era ter minha filha nos meus braços e que eu estivesse bem pra recebê-la.
A Vânia chegou. Pensei: 'É agora!' Ela me deu um beijo e sorriu.
Eu estava anestesiada apenas na região do quadril, então conseguia andar e fazer tudo normalmente. Então levantei e fui até a banqueta de parto e me sentei. Me deram um espelho e consegui ver a cabecinha dela já pra fora. Fiz um carinho e falei 'Ela é carequinha.' Meu coração se encheu de amor e felicidade de estar vivendo aquilo.
Na minha frente estavam sentados no chão a Ana Paula, a Vânia e o Gui e atrás de mim, me apoiando, estava a Mari.
Comecei a fazer força enquanto o Gui me olhava e via nossa filha nascer.
Mais algumas contrações e mais algumas forças e em alguns minutos senti ela saindo, direto pras mãos do Gui às 08:04 do dia 22/06/2016. Depois de 25h de bolsa rompida e 13h intensas em trabalho de parto.
Ele a pegou, me olhou e me deu elas nos braços. E ali ficamos nós 3 chorando de felicidade e nos sentindo completos, finalmente. Aquilo era o ápice da minha vida, pensei. Aquilo era o amor palpável, minha filha, nos meus braços. Eu pensava em todas as dificuldades que tínhamos passado na gravidez e tinha a certeza de uma coisa: nós vencemos!
Eu não acreditava que tinha ela nos meus braços, cheia de vida, cheia de amor.
Me levantei com ela nos braços, fui pra cama e olhei em volta. Todos sorriram e aquele lugar estava inundado de paz e de luz mesmo com todo o cansaço daquela noite intensa. E então, meu corpo relaxou e amamentei pela primeira vez minha pequena, enquanto o Gui abraçava a nós duas e falava 'Ela é linda e perfeita! Foi o choro dela que eu ouvi ontem. Igualzinho quando ela saiu de você.'
E ali, nós 3, estávamos completos.
E o parto? Não foi como eu imaginava, não foi como planejei, mas foi do jeito que tinha que ser pra Maria Eduarda vir ao mundo. Eu fui muito respeitada pela equipe que escolhi estar comigo. Fui muito acolhida, abraçada e em nenhum momento fui contestada em nenhuma das minhas decisões.
À vocês que estavam comigo: obrigada! Obrigada por viverem esse momento comigo. Gratidão é a palavra.
Ao Gui: eu te amo! E amo nosso momento. Você pariu nossa filha comigo.
À minha filha: você é a luz no meu caminho. Você é a razão e a emoção que existem em mim. Te amo como nunca amei na vida.
E à mim: Você foi e é quem pode ser. Obrigada por lutar por nós duas. Te amo!